sábado, 15 de setembro de 2007

A obscura claridade do tempo


E ele sem entender muito bem até mesmo o que se passava naquele momento, se sentia tal qual os carros em alta velocidade à sua frente, sem tempo nem mesmo para organizar os fatos e consequências. Seu coração batia-lhe num constante movimento rotineiro, já não sentia mais tanto amor, afeto ou sentimento algum de dor. Tudo misturava-lhe ainda mais a confusão. Os braço direito do seu pai acolhia-lhe, mas não sentia o teu calor de antes. As lágrimas já desciam tal qual o pulsar da angústia, que poderia jurar ser eterna. O olhar tentava buscar ao longe o destino ao qual o pai lhe sucumbiu. O vento avoaçava-lhe os cabelos, a fina poeira que o acompanhava às vezes lhe forçava um momento de suspiro: por quase um segundo. "Pai, tentei fazer de ti a pessoa mais feliz deste universo, recolhendo as sementes que um pássaro qualquer tentou plantar noutro lugar", dizia entre soluços. "Não, você não buscou a minha felicidade, mas sim algo que não se pode dar a qualquer um: a liberdade. Suas palavras já não surtiam mais o efeito, consequência dos errôneos fatos por ti cometidos. Estes que me arrancaram todo o sangue que me irrigava", respondia-lhe. Por mais sinceras e claras fossem aquelas palavras, nada mais o fazia acreditar em si mesmo. Perdia, naquele momento, toda a vontade de seguir sua vida, que já estava repleta de planos. Surgia, então, a dor mais insuportável: a nostalgia, que vinha adida do arrependimento de não ter enxergado na escuridão o choro de seu pai, quando eram as horas mais sofrívolas. Simples como o vento, deu-lhe com a mais profunda vontade a própria vida, protegendo-o com afeto, que num súbito instante de calmaria dos carros, provava-lhe que assim estava olhando para si mesmo, tinha desviado todo o seu futuro para o outro, sem dar-lhe espaço para sentir o calor deste ato. Ao longe, seus olhos já buscavam as luzes do seu novo caminho, tão temido. O braço do seu pai sinalizava para que parasse. A dor tornou-se a única coisa que respirava. O desespero da solidão lhe aflingia. O barulho dos freios do ônibus começavam a soar e, em seguida, a porta abria, convidando-o a iniciar um novo trajeto: "Vai filho. Esta sim é a sua felicidade. Corra atrás dela e derrame sangue para provar ao inimigo que você é mais forte. Já não posso mais seguir o nosso caminho, este já me machuca mais do que o faço contigo". Seu olhar fitava os olhos molhados de seu pai. Nunca tinha sentido esta mórbida e dolorosa transparência. Subiu no ônibus com tamanha vagareza consequente da tortura que é a realidade. A distância entre eles aumentava. Sua tristeza já não cabia mais em si. Acolheu-se num canto e não conseguia parar de chorar. A paisagem em movimento lembrava-lhe do tempo, este que com todas as suas forças odiou, agora torno-se seu único companheiro. O seu corpo já não aguentava mais lutar contra ele mesmo, adormeceu. Ao despertar, a angústia já não era tão marcante, a dor tinham-se alojado, noutro lugar, ele sabia com toda convicção, por instantes. A claridade doía-lhe os olhos, olhou para si mesmo: solitário. Suspirou e disse a ti mesmo: "nasci para ser o que ainda não sei".

E, então, uma força inimaginável vinha das suas entranhas para fazê-lo ver que o sol ainda brilhava...


Lucas Vareto